SOU DO CEARÁ


"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome , pergunto o que há ?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

Patativa do Assaré

terça-feira, 7 de julho de 2009

DIPLOMA DE JORNALISTA






Brasil - O fim do AI-5 dos jornalistas





Lúcio Flávio Pinto *



As duas primeiras escolas de jornalismo do Brasil foram criadas no mesmo ano, de 1943. A particular, idealizada em São Paulo por Cásper Líbero, dono do jornal A Gazeta, foi a primeira a ser implantada, em 1947. A pública começou a funcionar no ano seguinte, 1948, como o 13º curso da Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, integrando a primeira universidade brasileira merecedora dessa definição (porque dotada de caráter permanente), a Universidade do Brasil. A idéia germinou ainda sob a ditadura, mas quando o Estado Novo de Getúlio Vargas já se deslocava da influência nazi-fascista de Hitler e Mussolini para o lado dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial.

A liberdade, restabelecida no final de 1945, foi o oxigênio para dar vida às duas iniciativas. Elas enfrentaram as muito conhecidas dificuldades burocráticas do país. Liberdade sempre foi matéria prima rara no Brasil, vítima de ditadores e obscurantismos. A primeira universidade nacional chegou por aqui com quatro séculos de atraso em relação à primeira universidade do Novo Continente, fundada pelos espanhóis em Santo Domingo, em 1538.


O primeiro jornal brasileiro teve retardamento menor, assim mesmo de um século, para o primeiro jornal americano. E precisou ser publicado em Londres, por Hipólito da Costa, porque o ambiente só favorecia publicação oficial (ou chapa branca), como a Gazeta do Rio de Janeiro. Antes de haver imprensa, no entanto, já estava criada a junta de censura para vasculhar os impressos e expurgar seus inconvenientes para o poder.

A necessidade de dar qualificação acadêmica ao profissional do jornalismo, na metade do século XX, não foi acompanhada pela idéia de só dar acesso às redações aos portadores de diploma de curso de comunicação social. Duas décadas se passaram até que essa combinação, inédita na história do jornalismo universal, fosse realizada, por obra de um dos períodos mais negros da república, iniciado em 13 de dezembro de 1968, com a edição do Ato Institucional nº 5. Foi quando a ditadura, estabelecida com base no golpe militar de 31 de março de 1964, jogou fora "os escrúpulos da consciência", segundo a lapidar definição de um dos subscritores do documento, o coronel Jarbas Passarinho, ministro da educação, em pleno cometimento do ato.

Para reavivar um pouco a memória dos que já perderam (ou nunca tiveram em mente) o significado do AI-5, basta lembrar que ele impôs, aos cidadãos que tiveram seus direitos políticos suspensos os seguintes efeitos simultâneos: cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais, e proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política. A eles, quando necessário, seriam ainda aplicadas as seguintes "medidas de segurança": liberdade vigiada, proibição de frequentar determinados lugares e domicílio determinado.

Só quem viveu tais constrangimentos pode avaliar (por tê-la experimentado) a violência que o AI-5 colocou nas mãos dos detentores do poder como arma do pleno arbítrio. Pois foi com base nesse recipiente de maldades que a junta militar produziu o decreto-lei 972, com o qual estabeleceu a obrigatoriedade da graduação em curso de comunicação social para o exercício do jornalismo. O DL-972 foi baixado apenas três dias depois do AI-16, que também lhe serviu de fundamento; dois meses depois da introdução da Moral e Cívica como disciplina obrigatória de todos os graus e escolas de todo o país (para fins de controle político e ideológico), e quatro meses antes da reintrodução da censura prévia de caráter político, enquanto extensão da censura de costumes em espetáculos e diversões.

É bom não esquecer também que a junta, formada pelos três ministros militares, usurpou o poder do vice-presidente, devidamente eleito para o cargo com base na constituição outorgada pelos próprios militares, em 1967. Pedro Aleixo era quem devia ter substituído o presidente Costa e Silva, em cuja chapa foi eleito, quando o marechal sofreu uma trombose e ficou impedido de exercer o cargo.

Sob tal moldura, alguém pode presumir que os governantes castrenses da época estivessem preocupados com a melhoria da qualidade da imprensa brasileira, estimulando sua independência, formação cultural e capacidade crítica? Óbvio que não. Queriam pôr fim ao jornalismo que continuaram a enfrentar mesmo com os poderes ditatoriais que incorporaram a partir de 1964. Surgiram publicações alternativas como Pif-Paf, de Millôr Fernandes, Revista Civilização Brasileira e Reunião, de Ênio Silveira, Realidade, da Editora Abril. Na grande imprensa continuaram a se opor ao novo regime profissional que surgiram ou ressurgiram a partir de 1946, com a redemocratização. Eles influíam de fato sobre a formação da opinião pública, que ainda lia muito as numerosas publicações impressas.

Pode-se dizer que essa foi a mais brilhante geração da imprensa brasileira, a da IV República. Não por acaso, foi o mais longo período de democracia no Brasil até então. A imprensa ainda era o vertedouro de vocações para o jornalismo e as letras, de modo geral, com seus prestigiados suplementos literários, suas seções de crônicas (a maior contribuição brasileira para a literatura universal), o estímulo às polêmicas e as posições políticas claras, às vezes contundentes até demais.

Experimentados pelo contato direto com os poderosos e a circulação pelas ruas, os jornalistas desenvolveram estilo e cultivaram opiniões. Precisavam ter argumentos sólidos para contrapor aos adversários, mas também deviam conseguir expressar com clareza o que pensavam para convencer o público, fiel das disputas. Nas redações havia profissionais que apenas catavam notícias, sem conseguir redigi-las (transmitiam o que apuravam a um redator), e outros que eram paus-mandados dos patrões, que exploravam a todos, obrigando-os a procurar segundo, terceiro ou quatro empregos para se manter. Mas ao lado estavam alguns dos mais poderosos intelectuais, que não queriam ou não podiam se confinar a ambientes fechados, como o das academias, ainda reduzidas. Os debates travados pelas páginas da imprensa funcionavam como a mais poderosa das escolas, numa dialética na qual nem sempre o melhor argumento era o vencedor. Podia ser simplesmente o argumento mais bem apresentado.

Claro que, assim, a forma podia prevalecer sobre o conteúdo, o que estimulou polêmicas estéreis ou viciadas: quem se comunicava melhor vencia quem, mesmo tendo razão, era destituído de igual brilho (uma qualidade freqüentemente superficial). A grande lacuna dessa geração foi a falta de disciplina, baixa capacidade de pesquisa, ausência de métodos.

Essa lacuna seria preenchida pelo convívio num ambiente de maior rigor intelectual, como a universidade. O grande problema da maioria dos jornalistas era, uma vez dentro da redação, jamais estudar de novo, não se reciclar, nem se submeter a qualquer tipo de avaliação. Contentavam-se com o brilho, a exuberância, a experiência, o empirismo - necessários, mas não suficientes. E cada vez menos num mundo de profusa e difusa circulação de informações, em velocidade sempre mais acelerada.

Esse caminho, da busca da melhor qualificação e da aptidão específica para lidar com informações complexas, saindo do beletrismo dominante, começou a ser percorrido e estava em curso natural (por isso mesmo contraditório) quando foi interrompido pela espada do DL-972, o AI-5 do jornalismo. Já havia jornalistas formados, muitos seguiam para as universidades, conquistas da modernidade internacional eram incorporadas, criaram-se os primeiros departamentos de pesquisa, os arquivos foram melhorados, as empresas se solidificaram administrativamente, as práticas se profissionalizaram. Lembro a sensação de surpresa e satisfação ao comer pela primeira vez no restaurante do Correio da Manhã, o primeiro a oferecer um a seus empregados, com refeições balanceadas. Jornalistas começaram a ter gabinetes e secretárias. Os salários deixavam de ser aviltantes. Crescia a quantidade dos que podiam se dedicar apenas à profissão.

Estávamos no curso da história geral do jornalismo, sujeito a avanços e recuos, evoluções e regressões, quando a junta militar se intrometeu e impôs ao aspirante ao jornalismo a obrigatoriedade de freqüentar não qualquer curso superior, mas especificamente o de comunicação social. O texto do decreto-lei possui o ranço do seu autoritarismo de raiz, da concepção burocrática e corporativista (ainda inspirada no fascismo italiano), que persiste até hoje naqueles aos quais deu existência, ainda quando digam - da boca para fora - combater a ditadura, hoje.

É sintomático dessa concepção que até hoje não se disponha de uma reconstituição bem documentada de tal peça. Os que a combatem parecem tão convencidos da própria posição que não se dispõem a refletir sobre ela. Os que a apóiam não querem revirar uma história que pode cheirar mal, contaminando a cria, desinfetada pela retórica altissonante. Partem de premissas indiscutíveis, pétreas. Mas quem se lançar sobre a história não poderá deixar de concluir que o DL-972 foi o instrumento de que os militares se serviram para tentar eliminar os jornalistas incômodos, que pontificaram no alto do jornalismo praticado a partir de 1946, com independência, espírito crítico, irreverência e iconoclastia.

Os centuriões e "novos turcos" tentariam manipular os futuros profissionais na estrutura universitária, submetida a controle, coação e repressão, com o uso de outro decreto-lei espúrio, o 477, que punia os estudantes até com a expulsão por conduta desviada na norma oficial (que era, na verdade, para-legal). O resultado dessa alquimia foi a célebre "comunicóloga da PUC", celebrizada pelo humorismo de Jô Soares na televisão. Criaram a ilusão de que o canudo do diploma era como o cajado mágico que Moisés usou diante do Mar Vermelho. O jornalismo, crítico por definição, se tornou refém do espírito burocrático.

O fim do AI-5 dos jornalistas não significa que o dia seguinte está ajustado aos novos tempos. Há dúvidas, perplexidades e desafios a enfrentar - e a vencer. Mas não da maneira proposta pelas entidades sindicais ou corporativas. O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do DL-972 dois meses depois de ter colocado abaixo a lei de imprensa, também criada pelos militares, em 1967. Depois de uma extensa e intensa celeuma, a decisão não podia ser considerada uma surpresa. Muito menos uma violência, ainda que os argumentos dos sete ministros que acompanharam o relator (contra uma única divergência no colegiado) possam ser contraditados, muitos deles pueris.

A ordem jurídica foi seguida e consumada. Resta agora, aos inconformados, a instância legislativa para recompor a situação anterior, modificando-a. Por exemplo: não mais exigindo apenas o diploma de comunicação social, mas de qualquer curso superior. A hipótese intermediária foi sugerida para conciliar as várias posições, mas rejeitada com soberba pela Federação Nacional dos Jornalistas, o órgão máximo da burocracia sindical. A tese agora defendida pela Fenaj, de volta ao status quo ante através de emenda constitucional, além de viabilidade problemática, é de uma teimosia malsã diante do entendimento amplamente majoritário do STF. Não tem futuro.

No Brasil, os cursos de jornalismo proliferaram com base na tutela autoritária e numa visão equivocada do jornalismo como mera indústria de entretenimento. A partir de agora os cursos terão que melhorar, sob pena de desaparecer, e os universitários vão ter que caprichar na sua formação, inclusive para enfrentar um mercado cada vez mais concorrido e selvagem, em função de vários fatores que conturbam as redações e o espaço além. Há uma crise, que é profunda e grave. Mas pelo menos voltamos ao mundo real e nos libertamos do AI-5 que prepararam contra nós, 40 anos atrás.


Jornalismo: herança e vocação

Quatro dos sete filhos de Elias Ribeiro Pinto se tornaram jornalistas, o que não é pouco numa única família. Faço a ligação apenas com meu pai porque minha mãe, Iraci, embora essencial à nossa formação, sufocando com sua doçura uma tendência autodestrutiva latente em vários de nós, além de nos inspirar humanismo e simplicidade, não tem ligação direta com a nossa vocação para o jornalismo. Ela se deve a papai.

Ele cursou a escola regular apenas até o 3º ano primário (o ensino fundamental de hoje), mas tinha curiosidade e vivacidade intelectual incomuns. Adolescente, foi fotógrafo, professor de inglês e autor de uma façanha: foi o primeiro locutor esportivo de Santarém, transmitindo - para a Rádio Clube, a ZYR-9 - o clássico do futebol local, entre São Francisco e São Raimundo (a indicar a fortíssima influência religiosa no Baixo Amazonas). Em 1948, aos 23 anos, se tornou redator-secretário do semanário O Jornal de Santarém, fundado em 1943, a publicação de mais longa duração na história da imprensa santarena (e talvez de todo interior do Pará).

Quatro anos depois, em 1952, papai lançou seu próprio jornal. O Baixo Amazonas, "semanário noticioso e independente", conforme se definia no cabeçalho, começou a circular, semanalmente, em 17 de maio de 1952. Era de propriedade da Gráfica Baixo-Amazonas Ltda. Com quatro páginas em formato europeu, um pouco maior do que o tablóide, o jornal tinha Elias Pinto como diretor, Silvério Sirotheau Correa como redator e Ambrósio Caetano Correa como gerente. Sua sede, que abrigava a redação, gerência e oficinas, ficava na rua Siqueira Campos, 430. Entre os seus colaboradores estavam alguns dos principais intelectuais santarenos: Emir Bemerguy, Wilson Fona, Arinos Fonseca e Wilson Fonseca.

Passado mais de meio século, o jornal ainda mantém um ar moderno. Era bem feito para os padrões da época e considerando-se os recursos (e as limitações) da imprensa fora das capitais. Havia uma preocupação em registrar os fatos mais importantes da vida local e tomar posição editorial e política, além de buscar a constante renovação. No número 34, sob o título do jornal, surgiu o dístico: "jornal do povo a serviço da região". Já no número 40, no alto da primeira página, antes do título, foi introduzida uma frase: "Os que não quiserem apodrecer à beira do caminho, roídos pelos corvos da intriga, dos interesses imediatistas das paixões subalternas, que venham conosco".

A Gráfica Baixo Amazonas Ltda., que editava o jornal, passou também a vender livros, pelo preço da capa. Em outubro de 1953 oferecia, dentre outros títulos, A Rua das Vaidades, As Ligações Perigosas, O Grande Pescador, Os Deuses Riem, Eu Soube Amar, Uma Aventura nos Trópicos, Tudo Isto e o Céu Também, A Exilada, A Vida de Jesus, Mulher Imortal, Fugitiva, Cidadela, O Sol é Minha Ruína, O Lago do Amor, Abismo, Eles Esperam Hitler. Papai foi um leitor tão voraz quanto indisciplinado, características que também herdamos.

Já no primeiro número a direção do jornal informou que estava tentando comprar uma linotipo no sul do país para que o Baixo Amazonas pudesse ter circulação diária, além de habilitar sua gráfica a prestar serviços ao público. Ser visionário foi uma característica da personalidade do meu pai, sempre a esbarrar em outra marca sua: a dissipação das suas visões. Editorial do primeiro número, na capa da edição de 13 de maio de 1952, assinalava a preocupação de ir além do impresso:
"Ao dar à circulação o primeiro número deste semanário, que tem o nome da região a que se destina servir e é homônimo de um outro órgão da imprensa, que se editou nesta cidade entre os anos de 1872 e 1894, não sopesamos, antes temos bem auferida, a responsabilidade que nos impusemos e vimos assumir, perante o público do Baixo Amazonas, de realizar e cumprir um programa de trabalho que se identifique com os interesses coletivos deste trecho do Brasil, à defesa dos quais nos devotaremos sem avareza de esforços, sem descanso, indormidos e atentos, com destemor, crescente entusiasmo e absoluta fidelidade à causa pública".

Além do editorial, a primeira página da edição inaugural do jornal abrigava matéria sobre o aniversário do bispo, d. Floriano Lowenau, reportagem de A. Barros com o titulo provocativo "Quando será reconhecido o valor indiscutível do trabalhador da Amazônia?", artigo de Antonieta Dolores "Do sonho à realidade" e notícias sobre "Promoções" (de Joaquim Cezar de Paes Barreto e Vitor Murrieta, gerente e contador da agência do Banco de Crédito da Amazônia, respectivamente), a inauguração das novas instalações de Alto-Falantes Ipiranga e sobre a assembléia-geral da Tecejuta, a fábrica pioneira de fiação e tecelagem, que beneficiaria a produção de juta da região (e da qual papai seria diretor).

O Baixo-Amazonas, que depois incorporou o hífen, durou até 1954, quando Elias Pinto se elegeu deputado estadual pelo PTB, o Partido Trabalhista Brasileiro do seu maior modelo, Getúlio Vargas, com a sexta maior votação no Estado, e se mudou no ano seguinte para Belém, onde passou a morar com a família. Onze anos depois eu segui seus passos, Raimundo José veio em seguida, junto com Luiz, e, por fim, Elias, o mais novo do quarteto.

Nenhum dos quatro se formou em jornalismo e o único que tem um diploma de curso superior sou eu. Quando comecei a faculdade, em 1968. já era jornalista profissional e achei que o curso de sociologia seria mais útil do que o de comunicação social. Não me arrependo, muito pelo contrário: uma das venturas da minha vida foi a visão dos contextos sociais dos fatos, sem a qual meu jornalismo não sairia dos limites dos faits divers.

Raimundo José e Luiz Antonio nem passaram por perto do portão do campus universitário, por pura idiossincrasia com esse sítio acadêmico. Elias entrou, mas zanzou por muitos cursos na condição de beletrista sem permanecer por tempo suficiente para se graduar em qualquer coisa. Por ironia, é o único ainda sem registro profissional, que os dois irmãos mais velhos conseguiram, graças à tolerância do decreto-lei 972 até o reconhecimento do curso superior de comunicação da UFPA e o lançamento no mercado local dos primeiros jornalistas com diploma (acho que em 1981 ou 1982).

Elias já tem 34 anos de brilhante batente nas teclas das pretinhas, substituídas pelas branquinhas, na transição da máquina mecânica para o processador eletrônico. A decisão do STF, pondo fim ao monopólio do canudo de comunicação, lhe abre, finalmente, as portas da legalização completa na profissão, que é sua por herança, vocação e desempenho. Do outro lado, o jornalista Elias Ribeiro Pinto, o primeiro, deve ter ficado satisfeito.

Um dado a mais para a reflexão dos que se dispuserem a pensar sem preconceitos sobre o tema: nenhum de nós viu o fundador dessa mini-genealogia jornalística em operação no metier (mesmo com seu significado ambíguo, a expressão é boa para nos definir), mas foi como se tivéssemos recebido imediatamente o bastão que ele criou. Fiz jornal de colégio, de clube de jovens e bem cedo fui para a redação.

Gago, tímido e destituído de agressividade, característica que lhe arremata a condição de o mais cavalheiresco dentre nós, Raimundo José não teria passado num teste psicológico (ou de "relações humanas") para admissão de jornalistas. Mas se tornou um excelente repórter e um competente entrevistador. Suas qualidades permaneceriam sob o limbo de suas limitações naturais se não fosse jornalista - e dos bons, como é.

Já Luiz teria sido logo demitido se a característica da profissão não impusesse às empresas jornalísticas reconhecer o talento, ainda mais quando excepcional. É o que distingue a corporação jornalística das quitandas, ainda quando estas consigam disfarçar o que são com seus penduricalhos tecnológicos e aproveitando-se da fragilidade do público. Do público vírgula: da elite dona das decisões.

No entanto, nenhum dos 16 filhos dos quatro irmãos jornalistas optou até agora pela profissão dos pais. Eles nos viram em plena labuta e devem ter tido olhos suficientes para perceber que a barra é pesada, às vezes demasiadamente. Como o chamado da vocação não era tão audível assim, preferiram seguir outros rumos. Não lamentamos a decisão: se a compulsão (ou o impulso natural) não os fez jornalistas, é porque dificilmente seriam bons jornalistas. Para simplesmente fazer a alegria dos pais, é muito melhor que a façam em ofícios menos desgastantes e remunerativos, como estão fazendo. E bem.

Papai concluiu o editorial da primeira edição do Baixo Amazonas com uma citação de Vargas, inspiração não muito recomendável para uma frase sobre jornalismo. O então presidente, purificado da ditadura do Estado Novo por um mandato conquistado pelo voto popular, dizia que jornalismo é sacerdócio. Patrão costuma dizer isso, no fundo pensando em transformar o sacerdote da informação em mártir, levado ao sacrifício pela super-exploração da sua força de trabalho. Sem essa seqüela acompanhante, porém, a definição não deixa de ser verdadeira.

Quando fazemos bom jornalismo, desatentos a tudo mais, inclusive à nossa exploração, é como sacerdotes da verdade que nos sentimos. E este sentir diminui as dores do ofício e agiganta a doce sensação que nos invade do dever cumprido. Com ela seguiremos felizes para a tumba, destino de todos nós, humanos; demasiadamente humano é, sobretudo, o jornalista. Assim sempre foi e assim continuará a ser, a despeito das plumas e paetês da tecnologia e das controvérsias obtusas. Se tal for inscrito na nossa lápide, será pura verdade. Fará nossa felicidade.


* Jornalista



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VEJA NO BLOG DO PLÍNIO BORTOLOTTI:

" Lúcio Flávio Pinto escreveu artigo sobre a queda da exigência do diploma específico para o exercício da profissão de jornalista.

Jornalista desde 1966, o paraense Lúcio Fávio Pinto foi repórter das principais publicações brasileiras. Em 1988 deixou a grande imprensa e passou a imprimir o Jornal Pessoal, em Belém. É o jornal de um homem só, mas vale por 300.

Lúcio Flávio Pinto será um dos homenageados no congresso da Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo], que se realizará em São Paulo, entre quinta-feira e sábado

Comentário:

As entidades corporativas dos jornalistas insistem no erro de insistir na exigência do diploma específico para o exercício da profissão. Como diz o ditado, “errar é humano, mas insistir no erro é…” O que deveriam estar fazendo - aliás, o que deveriam ter feito - em vez de insistir na exigência do “diploma”, seria procurar uma regualmentação mais inteligente ".

BLOG DO Plínio Bortolotti

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