SOU DO CEARÁ


"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome , pergunto o que há ?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

Patativa do Assaré

domingo, 24 de janeiro de 2010

POESIA CEARENSE: STÊNIO FREITAS


AURIBERTO CAVALCANTE E STÊNIO FREITAS


SOLDADOS OU RITUAL DA DESCONSTRUÇÃO


Primeiro foram tirados de suas casas.
Móbiles flexíveis
sugestionáveis...
Rasparam suas cabeças
e consciências.
Deram-lhes de comer
e um número...
arrancaram suas identidades.
Vestiram-lhes em
gala e coturnos.
Cobraram-lhes juramento de vida e morte
a uma pátria
que estertora a cada continência.
À pompa do som de " Capitão Caçula "
fizeram-lhes marchar - ovelhas amestradas -
cavaleiros da cúmplice figura.


II


Vocês ( 0s transmudados ), na armadura da farda de campanha,
filhos do pedreiro,
são os que destroem os andaimes
com o marcar de passos
e embalsamam a liberdade
em argamassa de tradição;
filhos do metalúrgico,
que fundem com a lição do aço
mais uma algema;
filhos da lavadeira,
que nodoam a camisa branca
aprontada para a grande festa da libertação;
filhos do estivador,
que descarregam o medo
nos portos das praças e das almas,
empanzinando os porões
dos novos navios negreiros
com a dignidade e o suor
dos antepassados;
filhos do lavrador,
que semeiam o ódio,
aram a honra de pais e irmãos
com estocadas de baioneta,
aguam a repressão
e colhem a indiferença
pelo sangue sugado no parto da terra;
filhos da parteira,
hoje provocadores do aborto assassino
da continuidade operária,
os que fazem do cordão umbilical
cordão de isolamento
contra a ciclópica passeata da vida;
filhos do vigia,
que saqueiam noites
e confabulam crimes
estrategicamente traçados na mesa de comando;
filhos da puta, da vassoura humana
que gastou a noite e o corpo
para os gerar,
alimentar,
ninar seus berros
de mamíferos recém-paridos,
são vocês, instrumentos
de mercador patenteado...
o próprio meretrício da pátria !
São vocês,
na armadura da farda de campanha,
que amontoam nas calçadas
os bêbados vadios,
os desempregados,
os que imigram.
O dinheiro pago
para que finjam libertação
traz numa face a estampa cínica
da cara de herói impostor;
na outra, a fome,
a úlcera,
o feto estrangulado pela empregada doméstica
( usada na folga do sentinela );
os olhos fundos que tombam
na partitura do milharal devastado !

STÊNIO FREITAS
POETA CHOCALHEIRO

IN: " TOME CINCO, CAMARADA " - 1987 -
ANTOLOGIA PUBLICADA PELO GRUPO CHOCALHO E O MOVIMENTO DE ARTE
PROLETÁRIA - ARTE-PRO

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